Nesta página serão inseridas poesias de Acadêmicos
AMÉRICO ROSÁRIO DE SOUZA
Recolhimento
Dezembro em jeito de Natal
arma presépios nos cantos do vento,
a umidade faz sorrir o musgo,
um leve frio corta
o achonchego dos protegidos,
hoje não tem lavoura.
Os pedregulhos molhados
não sentirão os pés cansados
dos trabalhadores.
Estou em casa vendo a chuva
estou dentro de mim
olhando o nevoeiro que me vai na alma...
(Livro: Nós os mortos)
Zéluiz de Oliveira
Velas aos céus
As velas içasdas na caravela
ascenderam aos céus
e levaram consigo a poesia
que eu tinha n!alma.
De veias abertas reguei com meu sangue
todos os canteiros do mundo.
Hoje, no âmago das pessoas
brotam girassóis azuis exalando rimas
para comporem poemas.
(Livro: Esparsos & Fragmentos)
Plantio
O mar inusitado que agora teima açoitar meu peito
traz consigo corais algas azuis da saudade
em um tempo de estio que agoniza.
É como se a lua cigana matasse o dragão
para em seu lugar plantar campos de girassóis.
(Livro: Esparsos & Fragmentos)
VASCO PEREIRA DE OLIVEIRA
Terra cheia
Dos sonhos quase impossíveis
há um que me campeia:
ver a Terra, da Lua,
em noite de Terra cheia.
Aprendizado
Nada sei sobre o errado ou o certo.
A multidão nada me ensinou.
Caminhar sozinho me fez forte.
O que não sei, aprendi no deserto.
Domei a dor
O vento esculpe a árvore como a dor a alma.
Assim, morri só uma vez: o cotidiano me pertence.
Tenho as rédeas do sofrimento.
Em pedaços, ignoro o vazio, os cacos me completam.
Domei a dor, assim me vingo de Deus.
Medo
Raios de sol entre as folhas acordando a manhã.
Ergo pontes até o sol.
Poderia me equilibrar nelas
como fazem os insetos embriagados
que se despedaçam em busca da luz.
Mas tenho medo da lucidez.
Mário Massari
Abrigo Nossa mãe fazia bolinhos de chuva e não entendíamos por que nessas ocasiões, geralmente, o sol irradiava festivo...
Nossa mãe fazia curau com o milho colhido na hora nas plantações ao lado da casa no pacato sítio. Nossa mãe cosia roupas em sua máquina antiga estrategicamente posicionada próxima à janela com vista para prováveis peraltices. Nem sequer imaginávamos que entre um afazer e outro em nós procurava abrigo. Portos, olhares e ausências... Acalento olhares como o solitário porto ávido por embarcações à deriva. Dissimulo cantigas num parto natural que seduz e da à luz inexplicável melodia. E portuário calejado habito todas as ausências que insistem em preencher chegadas e despedidas...
Gostaria
- de beijar todas as manhãs perdidas em lamentações
descabidas
- de escrever poesia com a sensibilidade de Drummond, a simplicidade de Coralina e a inspiração de Cecília
- de atear fogo aos manuscritos que alojados na memória me perseguem com felicidades suicidas
- de reaver a pureza que, um dia, tudo fiz para perder
- de abraçar meu pai em vida e dizer-lhe do amor guardado e extravasado à despedida
- de acordar sorrindo como quem ouve a mesma piada
tantas vezes recontada, mas que o semblante alivia
- de reivindicar aos céus um pouco do azul e sair feliz
assoviando um blues com a naturalidade de quem tudo
conquista.